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No Algarve, reservas de água nas barragens continuam a preocupar?

Writer's picture: Nuno de Santos LoureiroNuno de Santos Loureiro

A precipitação que caiu em Dezembro de 2022 proporcionou aumentos significativos nos volumes de água armazenados nas albufeiras das seis principais barragens algarvias. A situação crítica que se fazia sentir desvaneceu-se e as preocupações com a falta de água quase deixaram de ser assunto prioritário para as populações e para os decisores políticos regionais.

A nível nacional, em quase todas as grandes bacias hidrográficas se passou da escassez à abundância e episódios de cheias atingiram diversas localidades. Repetiram-se imagens de albufeiras cheias e referências a valores elevados na produção de energia hidroeléctrica. O IPMA anunciou que no final de Dezembro de 2022 apenas 6,5% do território de Portugal continental continuava em situação de seca fraca, enquanto que os restantes 93,5% variavam entre a situação normal e a classificação de chuva extrema. Foi perceptível o “suspirar de alívio” nacional...


O caudal dos cursos de água, como a Ribeira do Vascão fotografada no recente dia 30 de Janeiro, é e será sempre uma forma válida para avaliar a disponibilidade dos recursos hídricos de superfície e subterrâneos, no território.

No Algarve, os números, no entanto, colocam a descoberto uma realidade diferente. As reservas superficiais de água nas albufeiras das seis principais barragens não estavam, no final de Dezembro passado, em níveis “confortáveis” e durante o mês de Janeiro de 2023 praticamente não houve acréscimos de armazenamento. A situação actual é, até, mais preocupante.

De facto, no final de Janeiro de 2022 existiam, no conjunto das seis albufeiras artificiais, 172,2 milhões de metros cúbicos de água utilizável, volume que correspondia a 43,1% da capacidade de pleno armazenamento. Um ano depois, no final de Janeiro de 2023, só existem 156,0 milhões de metros cúbicos, volume que corresponde a apenas 39,0%. Ou seja, há um saldo negativo de quase 16,2 milhões de metros cúbicos de água utilizável ou de 4,1%. Em resumo, a região algarvia tem agora menos água armazenada nas suas seis barragens do que tinha há um ano atrás, reforçando o tão anunciado cenário de escassez permanente nas reservas superficiais de água, em sintonia com um padrão de alterações climáticas que já se verifica e que estabelece uma redução progressiva da precipitação e o aumento da aridez.


O Algarve tem, inevitavelmente, de encontrar respostas para um problema de abastecimento público de água que se está a agravar. O sistema actual está assente num conjunto de seis barragens construídas ao longo de cinco décadas, todas elas com ligações entre si e também com a quase totalidade dos consumidores da região, mas isolado dos restantes sistemas de abastecimento de água do país. Em situações de necessidade, as reservas de superfície da região podem ser complementadas com reservas de água subterrâneas, já que aquíferos como o de Querença-Silves são reconhecidos pela sua elevada produtividade. Não podem, em alternativa, ir buscar água a outros sistemas já instalados em Portugal continental, como o que beneficia da albufeira da Barragem do Alqueva.

O sistema actual, apesar de bem pensado e bem concretizado, entra em colapso se, de forma persistente, a precipitação for diminuta. O gráfico abaixo, com os valores da precipitação anual na Estação Meteorológica de Faro, serve de exemplo ao que tem vindo a acontecer no Algarve. A linha de tendência é muito expressiva e indica um decréscimo progressivo da precipitação, cujo valor anual médio é hoje cerca de 100 mm inferior ao valor médio da segunda metade da década de 1960.


Para além dessa tendência, o gráfico acima evidencia outros factos como:

  1. Na primeira metade da série (28 anos, entre 1966-67 e 1993-94) ocorreram sete anos com precipitação total acima dos 600 mm e a média da precipitação total no ano hidrológico foi de 514 mm.

  2. Na segunda metade da série (entre 1994-95 e 2021-22) ocorreram apenas quatro anos com precipitação total acima dos 600 mm (um deles com 601 mm) e a média da precipitação total no ano hidrológico foi de 459 mm.

  3. O ano hidrológico de 2021-22, que recentemente terminou, foi um ano seco, mas acima de outros como os de 2004-05 ou 1982-83, quando não se atingiram sequer os 200 mm.

  4. O ano hidrológico de 2021-22 é o sétimo com menor precipitação, tendo dois dos outros seis anos ocorrido na primeira metade da série (1966-67 a 1993-94) e quatro na segunda metade (1994-95 a 2021-22).

A concordância entre a precipitação caída e os volumes armazenados nas albufeiras das barragens algarvias é muito evidente. O gráfico seguinte, com os valores de água utilizável no final de cada ano hidrológico, ilustra a tendência de decréscimo que se tem vindo a observar. Ano após ano, em média, as albufeiras terminam o ciclo hidrológico com menos água armazenada e a capacidade potencial de armazenamento das seis barragens fica cada vez mais longe de ser utilizada.


O mesmo gráfico evidencia outros factos como:

  1. O final do ano hidrológico de 2021-22 é o pior da série completa (13 anos, entre 2010-11 e 2021-22), mas não coincide com o ano com menor precipitação total.

  2. Na primeira metade da série (7 anos, entre 2010 e 2016) nunca as reservas de água utilizável, no final do ano hidrológico, estiveram abaixo dos 50% (cerca de 200 milhões de metros cúbicos).

  3. Na segunda metade da série (7 anos, entre 2016 e 2022) três anos estiveram abaixo dos 50%.

  4. Na primeira metade da série três anos aproximaram-se ou ultrapassaram os 75%, enquanto que na segunda metade apenas um ano se aproximou dessa percentagem.

Em conclusão, este conjunto de números simples mas expressivos afirma com objectividade que o Algarve não vai poder confiar durante muito mais tempo, para satisfazer todas as suas necessidades de abastecimento público de água, no sistema que foi sendo construído e melhorado ao longo de décadas.

A causa principal não é o consumo crescente da população residente e da indústria turística, nem é o crescimento muito considerável do regadio na agricultura. A causa principal está nas alterações climáticas e na redução da precipitação, problemas de enorme magnitude e que estão a anunciar a falência do sistema existente de abastecimento público de água. Problema ainda mais agravado porque o recurso às reservas subterrâneas entrará em breve em colapso. Por exemplo, para que o aquífero Querença-Silves mantenha a sua produtividade elevada é necessário que seja periodicamente recarregado, e para tal são necessários valores de precipitação total anual superiores a 600 mm. Mas se não chover, não são apenas as ribeiras que levam pouca água e as albufeiras das barragens que não enchem, são também as reservas subterrâneas de água que começam a desaparecer...

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Nuno de Santos Loureiro

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