A luso-brasileira Livraria da Travessa, na Rua da Escola Politécnica, é a melhor de Lisboa. Ou talvez seja a pior, pela despesa que já lá fiz. Cada vez que vou à capital, uma visita é obrigatória. A estante de Fotografia está sempre a roçar entre o bom e o excelente!
Foi lá que descobri um exemplar de RUINS, de Josef Koudelka, fotógrafo da Magnum, numa imperial edição da Thames & Hudson. Editado em 2020, o fotolivro eterniza a exposição que inaugurou na Bibliothèque Nationale de France a 15 de Setembro do mesmo ano, e que pode ainda ser visitada virtualmente.
Trata-se de uma série fotográfica que se debruça sobre a paisagem, entendida esta como an area, as perceived by people, whose character is the result of the action and interaction of natural and/or human factors (Council of Europe Landscape Convention). Koudelka não escolheu umas quaisquer paisagens, foram aquelas em que a presença humana aconteceu há séculos, deixou marcas impactantes para o futuro e desapareceu quase sem deixar rasto. Paisagens com três épocas de histórias de confrontos: a época em que a natureza dominava antes da espécie humana chegar, aquela em que o ser humano dominou a natureza e, por fim, a época em que a natureza se voltou a impor ao Homem, mas sem lhe conseguir fazer desaparecer totalmente o rasto. São, por certo, fotografias do arquivo de Koudelka: a mais remota data de 1991 e a mais recente de 2017. Evocam, representam, interpretam uma identidade singular do território mediterrânico, um territory of images, feliz expressão adoptada por Allan Sekula no seu texto verdadeiramente seminal, de 1983, intitulado Photography between Labour and Capital, depois sobretitulado com Reading an Archive.
Photography fed the illusion that images were infinitely accessible, but this profusion went hand by hand with the risk of a loss of meaning, escreveu Alain Schnapp, arqueólogo, na introdução da obra. Mais um confronto se impõe, entre a facilidade de visitar uma exposição ou folhear um livro de fotografia, e o chegar e estar em locais quase inacessíveis, espalhados por países que vão de Portugal até à Turquia e à Síria, e daí até Marrocos. Há nestas fotografias ainda mais um possível confronto, que Joel Snyder enunciou em 1994 no seu texto Territorial Photography: há uma estética that presents the possibility of a double salvation - a return to unspoiled innocence and an opportunity to profit from the violation of innocence.
Os formatos panorâmicos em que se apresentam as mais de cem imagens, tantas vezes recomendados para fotografias de paisagem, são exacerbados nas proporções estabelecidas por Koudelka: 3 x 1, ao baixo mas também, por vezes, ao alto, para concentrar o olhar no fundamental, depois do fotógrafo ter tomado a iniciativa de eliminar o acessório. Proporções incomuns, que o fotógrafo adopta desde há muito, e que se podem encontrar, por exemplo, na sua participação na Mission photographique de la DATAR...
Enfim, que bom seria se entidades como, por exemplo, a Gulbenkian, Serralves ou o CCB, tomassem em mãos a iniciativa de trazer RUINS até Portugal!
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