A paisagem é um bem público cultural e sócio-económico. Sintetiza a identidade colectiva e informa sobre o bem-estar das comunidades humanas que a habitam ou que a habitaram. A paisagem é, igualmente, um bem público ambiental e ecológico. Sintetiza, consequentemente, o valor do território, da biodiversidade e de todos os serviços prestados pela Natureza, de que o Homem é um dos beneficiários.
Pomar de pêra-abacate, a localidade de Barão de São João e os aerogeradores da Costa Vicentina.
Autódromo Internacional do Algarve, uma central fotovoltaica, o Algarve Race Resort e a Serra de Monchique.
Olhar para as paisagens, interpretá-las, comprendê-las, reflectir sobre elas, é hoje um exercício fundamental de cidadania activa. Os tempos são de rápidas mudanças e a artificialização intensiva do território é uma realidade que tanto ocorre à escala global como à escala local. O resultado do somatório de todos os processos é sempre mais do que a simples adição aritmética das partes. De igual forma, sendo a paisagem um bem público, o somatório de intervenções individuais em territórios privados é sempre uma intervenção na paisagem, no seu valor público, colectivo, que tanto é cultural e sócio-económico como é ambiental e ecológico.
Fotografar paisagens é uma bom início de percurso para olhar para elas. E também para criar documentos que proporcionam a oportunidade de olhar repetidamente para elas, interpretá-las, compreendê-las, reflectir demoradamente. O recente advento dos drones, com as suas sucessivas gerações dotadas de sensores cada vez mais eficientes, está a promover um novo olhar atento sobre a paisagem e o território. O denominado drone's eye view é manifestamente distinto da visão captada pelo fotógrafo, a partir do solo (ground level eye view). Para a fotografia de paisagem emergem novos e desafiantes tempos!
As duas imagens acima, feitas recentemente no Algarve, nos concelhos de Lagos e Portimão, permitem-me escrever (nas linhas e nas entre-linhas) sobre paisagens e territórios em transformação. Na primeira imagem destaca-se um pomar de pêra-abacate, a cultura agrícola intensiva que na região agora está na moda. Mas ao observador atento também não passará desapercebido, na linha do horizonte, um conjunto de aerogeradores. Agricultura e energia dominam assim nessa paisagem recente do Barlavento algarvio, depois de destronado o pomar de sequeiro, característico tanto pela diversidade de espécies (figueiras, amendoeiras, alfarrobeiras e oliveiras) como pela distribuição heterogénea (não obedecendo a geometrias elementares) das árvores no terreno.
Na segunda imagem destaca-se o Autódromo Internacional do Algarve, mas pode-se também identificar uma central fotovoltaica de pequena extensão, uma unidade hoteleira e, em pano de fundo, a Serra de Monchique. Em vez de agricultura intensiva, a paisagem e o território foram aqui artificializados através da instalação de uma infra-estrutura desportiva grandiosa, que consigo arrastou a instalação de novas tecnologias de energia e justificou a construção de infra-estruturas para o alojamento turístico. Lado a lado, nas duas imagens, são mais os elementos de intervenção e transformação que as unem do que aqueles que as diferenciam. Identidade, cultura, sociedade e economia, ambiente e ecologia, biodiversidade, ciclos da água e dos nutrientes. Se forem estes os critérios de análise, não restarão muitas dúvidas sobre a existência de tantos elementos em comum.
E quando começa a estar cada vez mais em cima da mesa a necessidade de um Observatório das Dinâmicas das Paisagens Algarvias, iniciativa perspicaz do Arq. Paisagista Desidério Batista, justifica-se igualmente olhar para estas duas imagens, meros exemplos de muitas outras possíveis, e estudá-las à luz de algumas de algumas das recomendações da Convenção Europeia da Paisagem, para cada uma das regiões que constituem o espaço europeu:
to identify its own landscapes throughout its territory;
to analyse their characteristics and the forces and pressures transforming them;
to take note of changes.
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