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  • Writer's pictureNuno de Santos Loureiro

Quatro fotógrafos portugueses estiveram a olhar para Lagoa e agora mostram os resultados


Augusto Brázio, o curador dos encontros internacionais da política e da imagem de lagoa 2020



Com política&imagem - encontros internacionais da política e da imagem de lagoa 2020, o Município de Lagoa volta a destacar-se no panorama algarvio da fotografia contemporânea.


Os encontros internacionais, que decorreram entre 15 e 18 de Janeiro, integraram exposições com os resultados de projectos fotográficos, a par de conferências e mesas redondas, e ainda um ciclo de cinema dedicado a Sérgio Tréfaut. São, igualmente, uma forma do Município de Lagoa comemorar mais um aniversário, o 247.º, e uma oportunidade para a apresentação pública do desenvolvimento da Casa da Cidadania.


As exposições de fotografia, que estão situadas no Convento de São José, no Salão Paroquial da Igreja de Nossa Senhora da Luz e nos Antigos Paços do Concelho de Lagoa, vão estar patentes ao público até ao final de Março, tornando possível, mesmo a quem não assistiu aos restantes eventos, conhecer os resultados das residências fotográficas que decorreram no concelho de Lagoa, no Verão passado.


A coordenação geral do projecto da Casa da Cidadania de Lagoa é da responsabilidade do antropólogo Paulo Lima e a curadoria dos projectos fotográficos coube ao fotógrafo Augusto Brázio. À conversa com este último foi possível compreender a génese e os objectivos dos encontros internacionais de fotografia, e também o intuito dos diversos projectos fotográficos. O Paulo e eu discutimos as temáticas que nos poderiam interessar e depois pensámos nos nomes dos fotógrafos que iríamos convidar para as concretizar, em função dos temas e do percurso artístico de cada um fotógrafos. E também convidámos o fotógrafo João Pina, que tem estado na Colômbia, a acompanhar os refugiados venezuelanos.



Ao Paulo Catrica pedimos que olhasse para o território e ele criou um documento ligado à paisagem, a lugares que não são aqueles que encontramos quando chegamos a um local turístico. Intitula-se prospectus e podemos dizer que é um projecto sobre lugares banais. É uma contemplação e uma reflexão sobre esses lugares, menos visíveis.



Eu próprio desenvolvi um trabalho ligado à indústria do turismo, a que dei o nome de filhos do sol - a busca do idílico. Procurei olhar para ela sob o ponto de vista dos fruidores desta indústria, aquelas pessoas que vêm para aqui para usufruir do Sol, do mar, de actividades desportivas como o golfe, da animação nocturna, etc.



A Lara Jacinto, que intitulou o seu trabalho de paraíso, olhou para pessoas que asseguram o funcionamento desta indústria. Pessoas que vieram de fora, que não são desta região, que não são portuguesas, mas que são importantes e necessárias para assegurar uma parte do funcionamento regular da indústria do turismo no concelho.



O Valter Vinagre, por último, fotografou corações ao alto, um trabalho sobre as confissões religiosas, porque todas estas pessoas que vêm trabalhar para cá e que vêm para cá viver, ou que vêm de férias, acabam por trazer os seus usos e costumes e também as suas religiões. É um fenómeno comum, porque quando uma comunidade se instala num local, a faceta religiosa dessa comunidade também vem. Desenvolveu retratos de seis confissões religiosas, em seis espaços onde essas religiões têm as suas práticas próprias. É uma exposição muito cénica, sob diversos pontos de vista.



Assim, em síntese, as quatro exposições fotográficas, resultado das residências de Augusto Brázio, Lara Jacinto, Paulo Catrica e Valter Vinagre no concelho de Lagoa, constituem um puzzle feito de peças que são simultaneamente olhares sobre o concelho, conseguidos não só através das lentes dos quatro envolvidos, mas também da visão de cada um deles sobre o concelho e a realidade complexa que o mesmo constitui. Paulo Catrica tem o seu olhar focado nas retaguardas do território, nos ‘espaços e nas paisagens expectantes’, um tema que tem sido registado por diversos fotógrafos portugueses, territórios que a economia ainda não resolveu, como afirmou o fotógrafo na mesa redonda ‘Documentar...’. Lara Jacinto trabalhou sobre uma outra retaguarda, humana e arquitectónica, onde se cruzam pessoas que vindas do estrangeiro estão em Lagoa para trabalhar, com imagens de locais de trabalho dessas pessoas e dos bastidores dos espaços turísticos. Valter Vinagre construiu um olhar muito peculiar, e de certa forma também reservado, sobre credos religiosos que coexistem em Lagoa: as Igrejas Católica, Adventista, Anglicana, Luterana e Maná, e a Comunidade Islâmica. Olhar centrado em Padres, Pastores e num Imã, e também nos detalhes mais especiais dos seus sítios de culto, como os livros do saber, as imagens simbólicas, os alimentos de partilha e o altar. Coube a Augusto Brázio trabalhar sobre as faces mais visíveis, essencialmente humanas, do litoral do concelho, onde o turismo multifacetado comanda a vida.


Augusto Brázio explicou também que a Casa da Cidadania e os encontros internacionais editaram a série de cadernos Política&Imagem2020Lagoa, integrados na coleção Manifesto da Casa da Cidadania. São cinco cadernos e cada um integra todas as fotografias dos projectos expostos, para além de um breve texto introdutório e explicativo e uma ficha biográfica sobre os próprios autores. São individuais porque temos o propósito de criar uma colecção que vai crescendo, sempre com o mesmo formato e layout gráfico. Há o propósito de que estes encontros internacionais sejam anuais e de que a colecção vá aumentando.



Houve simultaneamente a possibilidade de conversar com Valter Vinagre, sobre os corações ao alto. O fotógrafo confessou que um dos motivos para participar nos encontros internacionais foi o facto de ser a primeira edição dos mesmos, a par de poder fotografar num concelho algarvio que conhecia mal. Para além disso explicou: eu não gosto de estar sempre a fazer a mesma coisa, enquanto autor. Por isso, quando me lançam desafios, eu gosto de os lançar também a mim mesmo! E como a diversidade e a inclusão são palavras que me são caras, não me fazia sentido nenhum ficar limitado à Igreja Católica Apostólica Romana. Isso levou-me a pensar o que podia fazer para não ser ‘mais do mesmo’ e desde logo decidi que festas não queria fotografar, porque não tinha tempo suficiente. Inicialmente, estive aqui três ou quatro dias e andei na sede do concelho a tentar perceber o que havia de visível sobre as religiões, aquilo que as pessoas sabem que existe mas que muitas vezes se faz de conta que não existe. Eu não acredito que as pessoas de Lagoa não saibam que há outros credos aqui, com visibilidade e representação pública, mas que por vezes ficam esquecidos.


O fotógrafo abordou o tema da religião partindo de alguns princípios: Eu não tenho de fazer juízos de valor, nem os conseguiria fazer. Estes credos religiosos não aparecem aqui por acaso. Só têm visibilidade e representação pública porque têm cá as suas gentes. E, mais que tudo, a Igreja Católica só cá está porque houve uma migração, uma história de colonização. Relativamente à Comunidade Islâmica, tive de ir fotografar o Imã em Portimão porque não têm um local sagrado em Lagoa, mas grande parte das suas gentes trabalha aqui. Além disso, é um credo religioso que está na génese do Algarve, e que faz parte de um ADN cultural da região.



Valter Vinagre espera que o resultado do seu projecto fotográfico seja um contributo para a tolerância. Nós somos e seremos racistas ou xenófobos quando não conhecemos. O grande inimigo da cidadania democrática é o desconhecimento, mas quando se apresenta aquilo que é desconhecido deixa de haver razão para continuar a existir o temor pelo desconhecido. Creio que as imagens que produzi podem ter essa função de levar as pessoas a procurar um pouco mais fundo, ou seja, ir para além da aparência, do ‘diz que disse’, das ‘fake news’. Levar as pessoas a abrir os olhos e o espírito.


O fotógrafo recomenda aos visitantes que entrem no interior do círculo formado pelas seis fotografias, e que depois caminhem pelo lado exterior, para ver as outras seis imagens. Será uma experiência muito boa ver a exposição a partir do interior do círculo, porque a ideia de trabalho que tive é também muito circular. E quando se entra no Salão Paroquial da Igreja de Nossa Senhora da Luz, a primeira foto que salta à vista é a do Imã Mamadu Baílo Djaló, porque representa a génese. No verso de cada uma das seis fotografias está uma resposta que eu posso dar ao desconhecido, de algo que cada uma das comunidades reconhece imediatamente como sendo dos seus objectos simbólicos. Eventualmente até são mais importantes que os ‘porta-estandartes’. Afirmou ainda que gostaria muito de ver a série fotográfica corações ao alto circular pelo concelho de Lagoa, pelo Algarve e até pelo resto do país. Faz todo o sentido. Em conjunto com os outros projectos ou isoladamente. Quando produzimos algo, eu como autor e como cidadão, agrada-me a possibilidade de agarrar naquela aparente realidade e deslocá-la para outros lados. Isto pode contribuir para uma abertura maior, para criar polos de discussão e até polos de incómodo. Eu, aliás, prefiro o incómodo à discussão...


Valter Vinagre (fotografia de Filipe da Palma)


Sobre os filhos do sol - a busca do idílico, Augusto Brázio explicou ainda: fiz estas fotografias em 10 dias, num concelho que conhecia relativamente mal, e que ainda não conheço muito bem porque a minha realidade passou-se muito junto ao mar. Acabei por apresentar vários blocos de imagens: os caminhantes na praia, os miúdos no lazer, o golfe, as festas da espuma, os parques aquáticos, a vida nocturna. O primeiro grupo de fotografias foi feito a ‘perseguir’ pessoas a caminhar na praia, comigo de fato-de-banho, toalha e máquina na mão. As pessoas estão de costas e por isso não são identificáveis. A mim, como fotógrafo, sempre me fascinou este fenómeno das pessoas a caminhar na praia, parece que se procuram revigorar logo de manhã com caminhadas enérgicas. Por outro lado gosto desta tridimensionalidade do corpo e dos gestos, do lado coreográfico e da forma como ocupam o espaço, mesmo numa acção tão simples como caminhar. Quando fotografei os miúdos no Parque Municipal do Sítio das Fontes, pelo contrário, perguntei-lhes se os podia fotografar naqueles momentos de lazer. No bloco de fotografias sobre o golfe, procurei também registar gestos como os de ajoelhar e apanhar a bola, e de empurrar o carrinho, que era o que mais me interessava. Acompanhei um pequeno grupo, com a concordância deles, e fui fotografando-os também de costas. Um outro bloco, com uma única foto, foi feito num parque aquático, no início de Agosto. Coincidiu com um festival da comunidade africana e foi muito interessante. Estas duas raparigas estavam à espera para subir a um escorrega, eu pedi para as fotografar, elas posaram naturalmente, como vêm nas revistas, tudo muito espontâneo. Há um tríptico sobre a festa da espuma num grande hotel, e uma imagem que desconstrói a realidade, com uma câmara de observação e uma coluna de som. Depois, duas imagens que são também duas metáforas sobre o que é o turismo e o que procuramos nesses dias. Viver numa ‘bolha’ de bem estar, de Sol, de felicidade. Por último, a encerrar, a noite e o divertimento.


Paulo Catrica realçou que fotografar é sempre um acto político. Está nas escolhas e no modo como o fotógrafo enquadra, nos assuntos que escolhe para trabalhar, na forma como se confronta com o que fez. Eu, nos últimos anos, tenho trabalhado sempre sobre paisagem e a que me interessa é a dos lugares comuns, do espaço público, acreditando que há um lado social e económico na paisagem que reflete o modo como vivemos a nossa economia e também os nossos sonhos e projectos. Em Lagoa, estava muito interessado em ver paisagens menos vistas, em visitar os bairros sociais, em perceber coisas que ficam um bocadinho afastadas de todos os arquétipos visuais que se constroem. De certa forma, todas as paisagens que são turísticas, no Algarve, em Lisboa, no Porto, têm um imaginário e interessou-me trabalhar o adverso desse imaginário.


O fotógrafo, durante a mesa redonda Documentar..., referiu que as fotografias têm de ter um contexto para conseguirem ter também dimensão crítica. Em Lagoa, a Câmara permitiu-nos fazer o que cada um quis, como quis, com muita liberdade, e isso foi importante. Permitiram-nos um espaço reflexivo, que nos obrigou a desacelerar e pensar. Por vezes, as instituições que acolhem as nossas imagens filtram-nas, porque as imagens que lhes devolvemos não são necessariamente as que queriam receber, as que promovem coisas. Ontem, na inauguração, alguém me dizia que as imagens que estava a ver eram de coisas que via muitas vezes, porque vivia aqui, mas nunca as tinha visto fotografadas. É a melhor coisa que me podem dizer em relação ao meu trabalho!


José Águas da Cruz, Presidente da Assembleia Municipal de Lagoa e um reconhecido interessado por fotografia, durante a mesa redonda afirmou que para nós, que temos responsabilidade políticas em Lagoa, é muito enriquecedor, no dia em que comemoramos uma data importante para o concelho, acolher uma mesa redonda sobre política e imagem, que são indissociáveis. Os vossos contributos e os vossos olhares far-nos-ão enriquecer na forma como nós poderemos melhor servir as nossas populações. Os vários ângulos que fizeram sobre o concelho são relevantes para percebermos ainda melhor o nosso território e as nossas gentes. Penso que temos consciência dessa realidade, mas um olhar de fora é sempre enriquecedor! O vosso contributo é decisivo para nós implementarmos as melhores políticas e fazermos as correcções que forem necessárias. A fotografia também é política e entre as imagens que aqui estão expostas há algumas que me tocaram, como tocaram a outros concidadãos meus. Têm um enorme poder de persuasão e nós ficamos a conhecer melhor a realidade que temos e a nossa identidade.


Augusto Brázio, também satisfeito com os projectos fotográficos, afirmou que a partir de agora e até ao final de Março é o tempo das pessoas virem ver as cinco exposições de fotografia e recomendou a cada visitante olhar para cada imagem fotográfica de forma diferente da que as pessoas olham para as fotografias dos telemóveis, dedicando mais tempo a ver cada imagem e a tentar interrogar-se mais, com tempo suficiente para reflectir sobre as mensagens de cada uma das fotografias.


 

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