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285 items found for ""

  • Um curioso e antigo postal ilustrado da Guiné-Bissau

    Encontrei recentemente um bilhete postal ilustrado da Guiné-Bissau que muito me despertou a atenção. Circulou em Março de 1962 entre Bissau e Lisboa e foi editado pela "Foto Serra", de Bissau, um dos principais editores de postais ilustrados daquela década, do então território ultramarino português hoje nação independente. Tem o número 52 da colecção "Guiné Portuguesa" e como legenda Grupo de Nahés (papeis). São duas as singularidades desta imagem que aqui realço: as pinturas brancas nos troncos dos cinco rapazes e as carapaças de cágados que pelo menos três deles levam penduradas à cintura. Não conheço nenhuma outra fotografia que ilustre pinturas corporais semelhantes e/ou a utilização de carapaças de cágados ou tartarugas. Não é fácil identificar o grupo étnico a que pertenceriam os cinco rapazes fotografados: seriam do grupo étnico Papel? Ou seriam Balantas, outro grupo étnico da Guiné-Bissau? De acordo com Gael Gomes Nabape, guineense, o termo Nahé refere-se à cultura dos homens Balanta. A imagem ilustra, provavelmente, o ritual característico dos rapazes que se estão a preparar para a circuncisão e para a entrada na idade adulta... A Doutora Marina Temudo, especialista portuguesa em diversas temas da Guiné-Bissau, esclareceu que as carapaças dos cágados são usadas pelos Balanta imediatamente antes ou após a circuncisão. "Têm um significado simbólico, estando associadas à proteção contra feiticeiros (algo onde se podem esconder)". Também as conchas dos búzios, numerosas nos braços dos cinco homens, têm significado semelhante. Por agora, vou tentar saber ainda mais sobre as duas singularidades, continuando a perguntar a quem sabe e consultando, logo que possível, os arquivos da Missão Antropológica e Etnológica da Guiné que ocorreu nos anos de 1946 e 1947.

  • HOLGA faz amigos!

    Diz o meu amigo Luís Torres que a fotografia pode ser e é convívio! Estimula o encontro, a conversa, a partilha. Imortaliza momentos, transforma passado em presente, aprofunda e revitaliza memórias, incentiva futuros encontros, futuras conversas, futuras partilhas. Quando a fotografia é em película, fotografar torna-se num ritual, revelar converte-se noutro, imprimir ou digitalizar o negativo é a continuidade lógica da revelação. Mas quando a Holga se junta aos amigos, tudo tem outro sabor. As suas fotografias quadradas em médio formato (6 x 6 cm) são cativantes e inconfundíveis. Rivalizam com as da Hasselblad V que, em comum, têm a primeira letra no nome e também o formato. Um rolo 120 tanto cabe em uma delas como na outra e proporciona uma dúzia de fotografias ;-) E foi assim que nos encontrámos (Luís Torres, André Taróca, Nuno Loureiro e Holga) num domingo bem passado no Farol, Ilha da Culatra, Algarve... Três rolos Rollei RPX 100 depois revelados no laboratório fotográfico da Casa da Juventude de Olhão proporcionaram uma selecção de sete magníficas imagens. Algum de nós tão cedo esquecerá este dia? Claro está que não!!! Ahhh... Já estava a esquecer-me de contar. Sabem qual é a maior diferença entre a Holga 120 e a Hasselblad V? É que a primeira custa quase 100 vezes menos do que a segunda!

  • INCÊNDIO NA ILHA DE SANTIAGO, CABO VERDE, ESTENDEU-SE POR 850 HECTARES

    Em Cabo Verde, na Ilha de Santiago, deflagrou na manhã de 1 de Abril de 2023 um incêndio em território rural e natural. Foi dado como extinto ao final do dia 3 de Abril, depois de causar nove mortos e de queimar 846,8 hectares, área que corresponde a 0,85% da totalidade da maior ilha do arquipélago caboverdiano. Oito militares, falecidos num acidente de viação directamente relacionado com o esforço de combate às chamas, e um monitor ambiental do Parque Natural da Serra Malagueta, foram as perdas irreparáveis do incêndio rural e florestal que se estendeu pelos concelhos de Santa Catarina e do Tarrafal de Santiago. No que diz respeito ao território atingido pelo fogo, a utilização de imagens dos satélites SENTINEL 2A e 2B, do Programa europeu Copernicus, permite uma visualização detalhada da área afectada. Os dois satélites asseguram, com intervalos de cinco dias, a recolha de imagens com resoluções espaciais entre os 10 e os 60 metros. Nesta análise, que foi levada a cabo para avaliar da extensão da área queimada, foram utilizadas três imagens multi-espectrais distintas: SENTINEL 2A 27 de Março de 2023 12:16:51 (antes do início do incêndio) SENTINEL 2B 1 de Abril de 2023 12:16:59 (pouco depois do início...) SENTINEL 2A 6 de Abril de 2023 12:16:51 (após extinto o incêndio) Foi igualmente utilizado o Índice NBR (Normalized Burn Ratio), que recorre às bandas 8A (NIR) e 12 (SWIR), para determinar de forma objectiva e semi-automática a distribuição e extensão da área afectada. As Figuras 1.A e 1.B ilustram a situação do território antes de deflagrar o incêndio. A Figura 1.A é uma imagem preparada através das bandas 4, 3 e 2, e apresenta o território em cor natural (RGB). No canto inferior esquerdo da imagem pode ver-se a Ilha de Santiago e a localização geral da área queimada, a qual está também assinalada na imagem principal através de linhas de cor preta. A Figura 1.B foi preparada através das bandas 8, 4 e 3, e apresenta o território em infravermelhos com cores falsas (infrared false colors). Neste tipo de imagens a vegetação apresenta-se com tonalidades vermelhas, tanto mais intensas quanto mais densas e saudáveis estão as plantas. As Figuras 2.A e 2.B são directamente comparáveis, mas ilustram a situação do território após a extinção do incêndio. Nas duas combinações de bandas as áreas recentemente ardidas surgem representadas com tonalidades castanhas escuras. A Figura 3.A, recolhida pelo satélite SENTINEL 2B poucas horas após o início do evento, permite ver de forma bastante explícita o fumo resultante da combustão dos materiais vegetais e localizar onde começou o incêndio. A Figura 3.B apresenta o resultado da aplicação do Índice NBR às imagens de 27 de Março e 6 de Abril de 2023. A área afectada está representada a vermelho sobre a cartografia OSM (Open Street Map), a qual permite obter referências geográficas locais e regionais como a rede viária principal, numerosas localidades, os limites administrativos dos concelhos de Santa Catarina e do Tarrafal, o limite do Parque Natural da Serra Malagueta, diversos pontos topográficos importantes e ainda os principais vértices geodésicos. A utilização de um SIG (Sistema de Informação Geográfica), indispensável para calcular os Índices NBR, permite também medir a extensão da área afectada pelo incêndio e que é, na sua totalidade, de 8,468 km2 ou de 846,8 hectares. Ao concelho de Santa Catarina pertencem 536,64 hectares, ou seja, 63,4% da totalidade desse território, enquanto que ao concelho do Tarrafal pertencem os restantes 310,12 hectares, ou seja, 36,5%. Nota: versões mais detalhadas das Figuras 1.A a 3.B e também um shapefile com a delimitação do território afectado pelo incêndio podem ser descarregados AQUI.

  • artigo académico sobre Fotografia, Território e Paisagem centrado no Hotel do Garbe, Armação de Pêra

    Foi publicado na revista land um artigo académico sobre alguns aspectos da história do Hotel do Garbe e de Armação de Pêra, entre 1958 e 2018. Explora de forma atenta a evolução do uso do solo e recorre para tal à consulta de fotografias muito diversas: fotografias aéreas verticais, fotografias aéreas oblíquas e fotografias feitas ao nível do solo. Entre as fontes consultadas estão os bilhetes postais ilustrados, que muitas vezes são sub-utilizados nos estudos académicos. O artigo, que pode ser acedido e descarregado AQUI ou AQUI, procura também ilustrar como foi sendo ocupado o território ao longo das seis décadas estudadas, e como aumentou a complexidade da sua artificialização. É igualmente dada atenção aos contrastes entre os crescimentos da população residente e das áreas impermeabilizadas.

  • Carta de Solos do Algarve com nova versão digital

    A Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural criou recentemente o SNISolos - Sistema Nacional de Informação do Solo, que disponibiliza online e gratuitamente uma nova versão da Carta de Solos de Portugal continental, à escala de 1:25.000. Foi com base nessa informação que foi preparada uma nova versão digital da Carta de Solos do Algarve à mesma escala, em formato shapefile, georreferenciada em EPSG 3763 (ETRS89 / Portugal TM06), particularmente adequada para ser utilizada em ambiente SIG (sistemas de informação geográfica). Comparativamente com a versão anterior, há algumas diferenças relevantes, como 1. a representação gráfica apresenta agora a fase, para além da família de solos predominante; 2. a tabela de atributos apresenta agora, para além da família de solos predominante, as segunda e terceira famílias de solos que possam estar, eventualmente, presentes em cada um dos polígonos cartografados; 3. foram consideradas como 'não-solo' as áreas permanentemente impermeabilizadas (construções, rede viária, etc.), as áreas geralmente submersas (rede hidrográfica e zonas húmidas litorais) e as áreas coincidentes com as albufeiras artificiais criadas pelas principais barragens construídas na região algarvia. As designações das famílias de solos e das suas fases continuam a seguir as adoptadas na Nota Explicativa da Carta de Solos de Portugal, estabelecida pela DGADR. Esta nova versão da Carta das Famílias de Solos do Algarve (SNISolos) à escala 1:25000 - versão digital para SIG pode ser livremente descarregada a partir DAQUI e pode depois ser livremente utilizada por todos os interessados. Em caso de dificuldade de acesso ao link para download pode ser solicitada por email para nlourei@ualg.pt.

  • Fuzeta 1970 e 2022

    A fotografia aérea oblíqua pode proporcionar uma visão única, 'em olho de ave', sobre o território e a paisagem. A fotografia repetitiva, ou melhor, a série fotográfica constituída por fotografias feitas com o mesmo enquadramento em datas distintas, é uma ferramenta fundamental para o estudo da biografia do território e da paisagem, e para aprofundar o conhecimento objectivo sobre questões como a das mudanças no uso e ocupação do solo. O exercício que aqui se apresenta exemplifica o que acima foi afirmado. Escolheu-se um bilhete-postal do início dos anos de 1970, ilustrado com uma fotografia aérea oblíqua feita sobre a Fuzeta pelos Estúdios Tavares da Fonseca, e em 2022 fez-se com um drone uma fotografia com enquadramento semelhante, depois ajustado e sobreposto rigorosamente através do QGIS. Em seguida foi feita uma interpretação da paisagem observada, com base num catálogo de nove classes, inspirado no CORINE Land Cover. A imagem abaixo apresenta, na coluna da direita, o território e a paisagem no início dos anos de 1970; na coluna da esquerda, o mesmo território cinco décadas mais tarde, no ano de 2022. Na linha superior estão as fotografias aéreas oblíquas; na linha do meio as respectivas interpretações das paisagens observadas em 'olho de pássaro'; na linha inferior as sobreposições das imagens originais com as suas interpretações. Algumas métricas elementares do território e da paisagem estão sintetizadas na tabela abaixo. Na primeira coluna estão assinaladas as nove classes referidas, no conjunto seguinte de colunas as percentagens respectivas, depois os números de polígonos para as duas datas e, por último os perímetros dos polígonos de áreas médias. As linhas destacadas com fundo amarelo são aquelas em que as transformações foram mais acentuadas (diferença superior a 10%). É possível constatar que a construção, e em particular a construção dispersa, foi um driver determinante da transformação que ocorreu entre as duas datas. A expressão das casas na paisagem visível aumentou de 24,2% para 35,8%, o seu número aumentou de 23 para 666 polígonos visíveis, e quase todos esses novos polígonos estão localizados na parte interior do território estudado. As áreas dedicadas à agricultura decresceram de forma apreciável, tendência que se observou igualmente na faixa costeira húmida. Em sentido contrário constatou-se um acréscimo considerável nos espaços abertos, com pouca ou sem vegetação. Para tal contribuem as novas áreas de lazer nas proximidades da Ria Formosa e também algumas áreas interiores, nomeadamente as envolventes das salinas. Este exemplo simples, mas rico em informação qualitativa e quantitativa, procura evidenciar a importância da fotografia aérea oblíqua e dos drones em estudos de geografia humana e biografia da paisagem. A fotografia repetitiva permite olhar para o passado com um 'olho actual' e, como em qualquer abordagem documental, proporciona uma análise, uma avaliação e um julgamento com base em critérios e valores que não são necessariamente absolutos e universais. Quando a fotografia é, simultaneamente, repetitiva e aérea oblíqua, o observador está numa posição exterior, a qual lhe assegura, em teoria, maior isenção. Mas, claro está, como já escreveu A. C. Godfrey, a photograph is not a place, and photographs are not visual copies of the places. Consequentemente, a fotografia aérea oblíqua e repetitiva proporciona narrativas baseadas em imagens de distintos passados, construídas com as perspectivas dos tempos presentes...

  • PAISAGEM, pela mão de Josef Koudelka

    A luso-brasileira Livraria da Travessa, na Rua da Escola Politécnica, é a melhor de Lisboa. Ou talvez seja a pior, pela despesa que já lá fiz. Cada vez que vou à capital, uma visita é obrigatória. A estante de Fotografia está sempre a roçar entre o bom e o excelente! Foi lá que descobri um exemplar de RUINS, de Josef Koudelka, fotógrafo da Magnum, numa imperial edição da Thames & Hudson. Editado em 2020, o fotolivro eterniza a exposição que inaugurou na Bibliothèque Nationale de France a 15 de Setembro do mesmo ano, e que pode ainda ser visitada virtualmente. Trata-se de uma série fotográfica que se debruça sobre a paisagem, entendida esta como an area, as perceived by people, whose character is the result of the action and interaction of natural and/or human factors (Council of Europe Landscape Convention). Koudelka não escolheu umas quaisquer paisagens, foram aquelas em que a presença humana aconteceu há séculos, deixou marcas impactantes para o futuro e desapareceu quase sem deixar rasto. Paisagens com três épocas de histórias de confrontos: a época em que a natureza dominava antes da espécie humana chegar, aquela em que o ser humano dominou a natureza e, por fim, a época em que a natureza se voltou a impor ao Homem, mas sem lhe conseguir fazer desaparecer totalmente o rasto. São, por certo, fotografias do arquivo de Koudelka: a mais remota data de 1991 e a mais recente de 2017. Evocam, representam, interpretam uma identidade singular do território mediterrânico, um territory of images, feliz expressão adoptada por Allan Sekula no seu texto verdadeiramente seminal, de 1983, intitulado Photography between Labour and Capital, depois sobretitulado com Reading an Archive. Photography fed the illusion that images were infinitely accessible, but this profusion went hand by hand with the risk of a loss of meaning, escreveu Alain Schnapp, arqueólogo, na introdução da obra. Mais um confronto se impõe, entre a facilidade de visitar uma exposição ou folhear um livro de fotografia, e o chegar e estar em locais quase inacessíveis, espalhados por países que vão de Portugal até à Turquia e à Síria, e daí até Marrocos. Há nestas fotografias ainda mais um possível confronto, que Joel Snyder enunciou em 1994 no seu texto Territorial Photography: há uma estética that presents the possibility of a double salvation - a return to unspoiled innocence and an opportunity to profit from the violation of innocence. Os formatos panorâmicos em que se apresentam as mais de cem imagens, tantas vezes recomendados para fotografias de paisagem, são exacerbados nas proporções estabelecidas por Koudelka: 3 x 1, ao baixo mas também, por vezes, ao alto, para concentrar o olhar no fundamental, depois do fotógrafo ter tomado a iniciativa de eliminar o acessório. Proporções incomuns, que o fotógrafo adopta desde há muito, e que se podem encontrar, por exemplo, na sua participação na Mission photographique de la DATAR... Enfim, que bom seria se entidades como, por exemplo, a Gulbenkian, Serralves ou o CCB, tomassem em mãos a iniciativa de trazer RUINS até Portugal!

  • No Algarve, reservas de água nas barragens continuam a preocupar?

    A precipitação que caiu em Dezembro de 2022 proporcionou aumentos significativos nos volumes de água armazenados nas albufeiras das seis principais barragens algarvias. A situação crítica que se fazia sentir desvaneceu-se e as preocupações com a falta de água quase deixaram de ser assunto prioritário para as populações e para os decisores políticos regionais. A nível nacional, em quase todas as grandes bacias hidrográficas se passou da escassez à abundância e episódios de cheias atingiram diversas localidades. Repetiram-se imagens de albufeiras cheias e referências a valores elevados na produção de energia hidroeléctrica. O IPMA anunciou que no final de Dezembro de 2022 apenas 6,5% do território de Portugal continental continuava em situação de seca fraca, enquanto que os restantes 93,5% variavam entre a situação normal e a classificação de chuva extrema. Foi perceptível o “suspirar de alívio” nacional... No Algarve, os números, no entanto, colocam a descoberto uma realidade diferente. As reservas superficiais de água nas albufeiras das seis principais barragens não estavam, no final de Dezembro passado, em níveis “confortáveis” e durante o mês de Janeiro de 2023 praticamente não houve acréscimos de armazenamento. A situação actual é, até, mais preocupante. De facto, no final de Janeiro de 2022 existiam, no conjunto das seis albufeiras artificiais, 172,2 milhões de metros cúbicos de água utilizável, volume que correspondia a 43,1% da capacidade de pleno armazenamento. Um ano depois, no final de Janeiro de 2023, só existem 156,0 milhões de metros cúbicos, volume que corresponde a apenas 39,0%. Ou seja, há um saldo negativo de quase 16,2 milhões de metros cúbicos de água utilizável ou de 4,1%. Em resumo, a região algarvia tem agora menos água armazenada nas suas seis barragens do que tinha há um ano atrás, reforçando o tão anunciado cenário de escassez permanente nas reservas superficiais de água, em sintonia com um padrão de alterações climáticas que já se verifica e que estabelece uma redução progressiva da precipitação e o aumento da aridez. O Algarve tem, inevitavelmente, de encontrar respostas para um problema de abastecimento público de água que se está a agravar. O sistema actual está assente num conjunto de seis barragens construídas ao longo de cinco décadas, todas elas com ligações entre si e também com a quase totalidade dos consumidores da região, mas isolado dos restantes sistemas de abastecimento de água do país. Em situações de necessidade, as reservas de superfície da região podem ser complementadas com reservas de água subterrâneas, já que aquíferos como o de Querença-Silves são reconhecidos pela sua elevada produtividade. Não podem, em alternativa, ir buscar água a outros sistemas já instalados em Portugal continental, como o que beneficia da albufeira da Barragem do Alqueva. O sistema actual, apesar de bem pensado e bem concretizado, entra em colapso se, de forma persistente, a precipitação for diminuta. O gráfico abaixo, com os valores da precipitação anual na Estação Meteorológica de Faro, serve de exemplo ao que tem vindo a acontecer no Algarve. A linha de tendência é muito expressiva e indica um decréscimo progressivo da precipitação, cujo valor anual médio é hoje cerca de 100 mm inferior ao valor médio da segunda metade da década de 1960. Para além dessa tendência, o gráfico acima evidencia outros factos como: Na primeira metade da série (28 anos, entre 1966-67 e 1993-94) ocorreram sete anos com precipitação total acima dos 600 mm e a média da precipitação total no ano hidrológico foi de 514 mm. Na segunda metade da série (entre 1994-95 e 2021-22) ocorreram apenas quatro anos com precipitação total acima dos 600 mm (um deles com 601 mm) e a média da precipitação total no ano hidrológico foi de 459 mm. O ano hidrológico de 2021-22, que recentemente terminou, foi um ano seco, mas acima de outros como os de 2004-05 ou 1982-83, quando não se atingiram sequer os 200 mm. O ano hidrológico de 2021-22 é o sétimo com menor precipitação, tendo dois dos outros seis anos ocorrido na primeira metade da série (1966-67 a 1993-94) e quatro na segunda metade (1994-95 a 2021-22). A concordância entre a precipitação caída e os volumes armazenados nas albufeiras das barragens algarvias é muito evidente. O gráfico seguinte, com os valores de água utilizável no final de cada ano hidrológico, ilustra a tendência de decréscimo que se tem vindo a observar. Ano após ano, em média, as albufeiras terminam o ciclo hidrológico com menos água armazenada e a capacidade potencial de armazenamento das seis barragens fica cada vez mais longe de ser utilizada. O mesmo gráfico evidencia outros factos como: O final do ano hidrológico de 2021-22 é o pior da série completa (13 anos, entre 2010-11 e 2021-22), mas não coincide com o ano com menor precipitação total. Na primeira metade da série (7 anos, entre 2010 e 2016) nunca as reservas de água utilizável, no final do ano hidrológico, estiveram abaixo dos 50% (cerca de 200 milhões de metros cúbicos). Na segunda metade da série (7 anos, entre 2016 e 2022) três anos estiveram abaixo dos 50%. Na primeira metade da série três anos aproximaram-se ou ultrapassaram os 75%, enquanto que na segunda metade apenas um ano se aproximou dessa percentagem. Em conclusão, este conjunto de números simples mas expressivos afirma com objectividade que o Algarve não vai poder confiar durante muito mais tempo, para satisfazer todas as suas necessidades de abastecimento público de água, no sistema que foi sendo construído e melhorado ao longo de décadas. A causa principal não é o consumo crescente da população residente e da indústria turística, nem é o crescimento muito considerável do regadio na agricultura. A causa principal está nas alterações climáticas e na redução da precipitação, problemas de enorme magnitude e que estão a anunciar a falência do sistema existente de abastecimento público de água. Problema ainda mais agravado porque o recurso às reservas subterrâneas entrará em breve em colapso. Por exemplo, para que o aquífero Querença-Silves mantenha a sua produtividade elevada é necessário que seja periodicamente recarregado, e para tal são necessários valores de precipitação total anual superiores a 600 mm. Mas se não chover, não são apenas as ribeiras que levam pouca água e as albufeiras das barragens que não enchem, são também as reservas subterrâneas de água que começam a desaparecer...

  • Elogio da Fotografia Aérea Oblíqua

    Voar é um sonho tão antigo quanto o é a mitologia grega. Ícaro quis voar para fugir, agora outros querem voar para ver a paisagem. Ver é uma coisa, observar com atenção é outra. Basta pensar como todos espreitam com atenção a paisagem pelas pequenas janelas do avião, ao levantar ou ao aterrar. Mas nesses momentos tudo é tão fugaz e tão depressa fica para trás... Os pequenos drones mudaram a história desses momentos desconcertantes. Conquistou-se o domínio de um olhar de pássaro, com todo o tempo do mundo (ou o tempo que dura a bateria ;-). Tornou-se possível fotografar para depois observar com toda a atenção os pormenores do local e da paisagem, ganhou-se um novo olhar atento sobre o território. Todos passámos a poder ser foto-geógrafos, a perceber melhor o espaço que nos envolve... Teríamos essa leitura se estivéssemos ao nível do solo? Obviamente que não! Os pequenos drones são certamente uma revolução tecnológica em contínua efervescência, mas não se limitam a ser apenas isso. Quando adequadamente utilizados são verdadeiros professores de geografia, de ordenamento do território e da paisagem, comandados a partir das nossas mãos. As três fotografias desta publicação foram feitas com um DJI Mini 3 Pro. Cabe no bolso, custa o mesmo que um smartphone high-tech, é simples de pilotar e uma maravilha a fotografar! A fotografia aérea oblíqua que motiva esta publicação proporciona uma visão humana, baseada numa linguagem natural que qualquer pessoa pode entender. É distinta da da fotografia aérea vertical, perpendicular à superfície da terra, por vezes orto-rectificada e mais cartográfica do que fotográfica, própria de domínios de saber especializados. De facto o ser humano olha em frente, para o caminho, não olha para baixo, para os próprios pés! Vale a pena parar um momento e reflectir sobre este passo maravilhoso da fotografia digital democratizada. E sobre as formas de bem a utilizar...

  • Cascais, 1968 - 2023

    A colecção de fotografias de viagem de um incógnito fotógrafo que mencionei recentemente proporciona exercícios de fotografia repetitiva e de análise das mudanças dos locais, dos territórios e das paisagens que poderão ser muito interessantes. A primeira tentativa foi feita em Cascais, que o incógnito fotógrafo fotografou, por exemplo, em 1968. Fui a Cascais para revisitar aquele registo fotográfico. Nem sempre é uma tarefa simples encontrar o ponto escolhido pelo incógnito fotógrafo para o seu registo original. Não o encontrei in situ, mas agora, observando atentamente a fotografia que fiz, talvez o consiga descrutinar! A fotografia actual, feita a partir do Hotel Albatroz, a quem agradeço a simpatia por me deixarem entrar, não proporciona o mesmo enquadramento da fotografia original. Mas não deixa de ser eloquente relativamente às mudanças no local e na paisagem. Destaca-se, naturalmente, a demolição do icónico Hotel Estoril-Sol, e a sua substituição por uma outra construção, o Estoril Sol Residence, da autoria do arq. Gonçalo Byrne. Por outro lado, a fotografia actual mostra, no seu lado esquerdo, o Chalet Faial, mandado construir no final do Séc. XIX pelo Marquês do Faial e classificado em 2012 como Monumento de Interesse Público. Agora, está a ser objecto de recuperação e transformado numa luxuosa habitação multi-familiar.

  • definição de fotógrafo

    O que é (...) um fotógrafo? Não é certamente uma pessoa que tira ou faz fotografias. Isso somos todos. Desde a metamorfose do telefone em máquina fotográfica e da substituição da palavra pela imagem, somos todos fotógrafos, ou antes, pessoas que tiram fotografias. Um fotógrafo é alguém que faz da fotografia o seu modo de vida, além da sua profissão e da sua arte. Alguém que fez da imagem fotográfica o seu modo de reter o que vê e o que vive, mas também a sua maneira de exprimir o que sente e quer dizer. Alguém que escolheu a imagem fotográfica como o seu meio de expressão para revelar e comunicar o que sente e pensa do mundo. Alguém que fez da fotografia o seu melhor meio de dar testemunho de vida e do modo de considerar os outros. (...) Alguém que faz da imagem o meio favorito de conhecer e exprimir o mundo, com vantagem sobre a descrição, a narrativa, o som, a palavra e o aroma. Alguém para quem a imagem fotográfica não é apenas olhar, mas também ver e mostrar. Numa palavra, viver. António Barreto, 2022. In: Do ofício à arte. Ph. 9 Alfredo Cunha Imprensa Nacional, Lisboa.

  • Baleia-anã na Praia da Rocha

    Uma baleia-anã (Balaenoptera acutorostrata) deu à costa ontem, 25 de Dezembro de 2022, na Praia da Rocha. Foi retirada ao final da manhã de hoje por funcionários da EMARP, com o auxílio de uma retro-escavadora. A baleia-anã, que pode atingir 10 metros de comprimento, é uma espécie residente nas águas territoriais portuguesas, com estatuto de conservação 'Pouco Preocupante' na IUCN Red List. Pode ser encontrada tanto em águas afastadas do continente como em águas costeiras. Alimenta-se principalmente de peixe e empurra cardumes de sardinha até à superfície. Por isso, quando se está a alimentar, é comum serem avistadas numerosas aves marinhas. Com alguma frequência sofre acidentes, muitas vezes mortais, resultantes de interacções involuntárias com artes de pesca. Mas também os recentes temporais têm estado na origem de muitas mortes...

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