É extraordinária e melodiosa a música portuguesa criativa (MPC) que João Frade levou na passada noite de 30 de Janeiro até ao Auditório do Solar da Música Nova, em Loulé. E quando essa MPC é temperada com os melhores perfumes cubanos, então são verdadeiras pérolas preciosas para os nossos ouvidos e também para os olhos!
«Andei anos sem saber como apresentar a minha música. Embora não goste muito de rótulos, agora já tenho uma definição: é música portuguesa criativa», explicou-me João Frade durante uma entrevista para o barlavento. «É música com um carácter e uma melodia ligados a este cantinho, a esta terra portuguesa onde eu componho, criativa porque tenho muito o espírito de criar no momento, sem que me pareça certo chamar-lhe improvisação.» E foi exactamente esta MPC que encheu o Solar da Música Nova. Os prazeres pelos diálogos musicais multiculturais acrescentaram-lhe ainda uns magníficos Carris sul-americanos, tema de Michel Oliveira que também foi apresentado durante o concerto.
Não há muito mais palavras para descrever as três horas, que pareceram três fugazes minutos, em que João Frade no acordeão, Michael Olivera Garcia na bateria e Yarel Hernández Espinosa no baixo pisaram o acolhedor palco louletano. As melodias e a energia que os três instrumentistas trouxeram permitem-me afirmar: Felizes todos aqueles que estiveram presentes nessa noite memorável, pobres todos aqueles que faltaram à chamada!
Michael Olivera e João Frade têm já uma ligação de anos. O baterista, que presentemente vive em Madrid, compôs, tocou e co-produziu o disco homónimo (João Frade) do acordeonista algarvio, editado em 2019. Sobre Michael, Frade relatou-me: «é um baterista incrível, um dos melhores do mundo, e adoro a forma como compõe. Conheci-o em Madrid e ele convidou-me para fazer parte da sua banda.» Michael retorquiu durante o concerto: «Tenho temas que compus para piano. Mas quando o João os interpretou no acordeão percebi que era mesmo aquilo. Os temas afinal não eram para o piano, são para acordeão!»
Relativamente a Yarel Hernandez, João Frade esclareceu: «Só o conheci há dois dias, quando ele chegou a Loulé. Foi o Michael que sugeriu que o convidasse. É um guitarrista que esta noite vem tocar baixo de forma diferente e super peculiar. Quando começámos a ensaiar surgiu rapidamente uma química muito bonita e agora já é da família. É mesmo um prazer tocar com dois músicos incríveis como eles.»
E para rematar um concerto singular e único, Paulo Pires, o incansável programador cultural da Câmara Municipal de Loulé, subiu ao palco por duas vezes, para interromper a música e transformar o evento numa saborosa tertúlia-concerto, o formato típico das Conversas à Quinta que regularmente vai acontecendo pelos espaços culturais do município.
Com estas Conversas torna-se possível conhecer melhor não só a música mas também os músicos que a concebem, criam, interpretam e tocam. É um exercício enriquecedor, que permite aproximar artistas e públicos. E quando são artistas com raízes algarvias, mesmo que viajem e actuem regularmente por todo o mundo, é um exercício que contribui para o conhecimento e para a afirmação da identidade regional.
Com João Frade, essa identidade afirma-se pela criatividade portuguesa do músico e consubstancia-se através de um instrumento: o acordeão. Sobre ele escreveu Paulo Pires, em 2017, na página 39 dos seus Escrytos:
"No princípio era o ar... (...) a substância básica da existência, o princípio único criador, omnipresente e essencial ao crescimento de todas as coisas. O acordeão vive desse sopro vital, dos ditames de um fole (im)previsível que parece conter a vida toda lá dentro: sereno ou ofegante, relaxado ou contraído, sonoro ou (mais) silencioso - como o pulsar de um coração que precisa desse 'vento' que lhe insufla o fôlego primordial."
A conversa com João Frade permitiu também levantar o véu sobre o que se está a preparar neste ano de 2020. Para além de uma nova digressão com a Mariza, que lhe preenche grande parte da agenda, está prometido para breve um novo disco, na sequência de João Frade. Mas não será o único, porque estão terminadas as gravações de um outro disco do ‘Pedro Jóia Trio’ com Nuno Guerreiro (louletano e que ganhou grande destaque como vocalista da ‘Ala dos Namorados’). «Vai ser surpreendente» assegura Frade, que revelou ter mais alguns projectos, ainda em fase inicial. E em 2020 também verá finalmente a luz do dia o disco dos ‘Moda Vestra’, para além do acordeonista ter a expectativa de vir a participar ao vivo em alguns dos concertos que os ‘Mare Nostrum’ têm já agendados.
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